sexta-feira, 6 de abril de 2007

Ecrevem-nos: António Vasco Salgado (2).

Eu e Férran Adriá ou Ferran Adriá e eu

Eu e Férran Adriá ou Ferran Adriá e eu. A ordem dos factores é arbitrária.Até eu que me considero um gastrónomo errante, tenho que admitir que existem falhas graves no meu currículo. Nunca fui ao French Laundry de Thomas Keller em Napa Valey, ao Michel Brás em Aubrac, ao Jardin des Sens dos gémeos Pourcel e por fim ao El Buli de Férran Adriá. Porque é que ainda não fui ao El Buli? Por várias razões, porque localizado em Roses, fica longe de Barcelona, porque só está aberto 6 meses por ano tendo uma lista de espera interminável e porque mesmo recorrendo a uma cunha castelhana, que noutras circunstâncias tinha funcionado, nem assim consegui. Finalmente com um grupo de amigos, decidi telefonar, no primeiro dia de abertura em Abril e pedir que me marquem mesa para o primeiro dia disponível, Nesse dia abandono tudo, trabalho e família e ninguém me apanha. Se mesmo assim não resultar, só me resta ligar, dizendo que me foi diagnosticada uma doença incurável e que só me deram 6 meses de vida, suplicando desesperadamente uma mesa, nem que seja na cozinha.
Apesar de tudo não me considero propriamente um ignorante em matéria da filosofia culinária de Adriá. Tenho e já vasculhei de forma atenta e interessada a sua obra completa, excepto o esgotadíssimo, El Buli: el sabor del Mediterrâneo. E já tive o prazer de passar um fim-de-semana no Hazienda Benazuza, um Hotel do grupo El Bulli, localizado perto de Sevilha, em cuja cozinha funciona uma espécie de out-let de luxo, da cozinha de Adriá. Aliás deve-se dizer superiormente executada por Rafa Morales.
Mas afinal quem é este personagem catalão (14 de Maio de 1962. Hospitalet de Llobreget, Barcelona)? Indiscutivelmente uma personagem incontornável no panorama gastronómico mundial. O el Buli tem sido nomeado várias vezes o melhor restaurante do mundo, algo que me parece uma cretinice de americano e Feran Adriá foi escolhido pela revista Time em 2004, como uma das personagens mais inovadoras em todo o mundo. Devem-se lhe a criação de novos conceitos e técnicas culinárias, como a desconstrução de pratos tradicionais, a introdução das espumas, na minha opinião uma das suas criações mais interessantes, a esferificação directa e inversa e a última que lhe vi, o desenvolvimento em pareceria com a indústria farmacêutica de uma máquina, que custa á volta dos 90 mil euros e permite realizar esferas de azeite envoltas em água com gelatina, com uns escassos milímetros de diâmetro e que uma vez mastigadas, têm a textura de caviar. Outras das características da cozinha de Adriá, é a total rotura com a sequência habitual de pratos da refeição, podendo-se começar pelo doce e acabar no salgado, ou misturar os dois, o que cria um constante ambiente, simultaneamente humorístico e de surpresa.
Não é um personagem consensual naquilo que faz. Longe disso. Não tem adversários só inimigos assumidos, cujas críticas em vez de roçar, entram claramente pelo insulto a dentro. Um deles, Santi Santamaria, igualmente catalão e igualmente com 3 estrelas Michelin, desancou em cima dele, no último Madrid Fusion ,de tal forma que até os meios de informação em Portugal disso fizeram eco.
O que é que eu acho de Adriá? Um cozinheiro e experimentalista verdadeiramente superior, mas que se tornará mais cedo ou mais tarde vítima da moda que o próprio criou.
Ao assistir á sua comunicação em San Sebasian no ano passado, diga-se de passagem, não muito diferente da que lhe tinha visto há dois anos em Madrid, constatei que montou 3 mesas no enorme palco e com a ajuda de alguns colaboradores, fez assim uma espécie de número de mágica, em que só faltou talvez serrar um animal de grande porte ao meio. A páginas tantas já se tornava cansativo e inevitavelmente me lembrei do meu amigo Rui, gestor de profissão, que gosta de dizer, que desconfia de tudo o que lhe parece excessivo. A mim, o que me pareceu na altura claramente mais aliciante foi sair a meio e partir em direcção do restaurante de Bittor Arginzoniz em Etxebarri, algures entre San Sebastian e Bilbau, galardoado com o prémio de melhor restaurante do ano, pela organização do Congreso El Mejor de la Gastronomia. Trata-se de uma churrascaria de luxo, com copos Riedel, em que os produtos são cozinhados na brasa, feita a partir de madeiras criteriosamente escolhidas para o efeito. Eu deliciei-me com caviar e foie gras feitos na brasa. Custa a creditar mas é verídico