sábado, 7 de abril de 2007

Escrevem-nos: António Vasco Salgado.

Crónica gastronómica

Kennedy, aquecimento global, Michel, Telmo e a defesa do património gastronómico.


Eu sou um pró americano assumido e secundário. Porquê secundário? Porque não sou primário. Explico melhor. A minha admiração pela América, resulta de um processo lentamente fermentado, mastigado e saboreado.
Julgo que é compreensível. A América recebeu-me, formou-me de forma intensiva, durante 5 anos, convidou-me a ficar e ensinou-me muito na vida, nomeadamente a relativizar a importância das coisas
Estando ideologicamente próximo daquilo que se designa por liberais nos EUA, também eu tenho no meu idiário John F. Kennedy. Kennedy foi uma figura elegante e bem parecida, um dos mais jovens presidentes da América, por fim tragicamente assassinado em directo para as televisões.
Seria simplista e redutor lembrá-lo apenas por dois feitos. Mas hoje apetece-me ser simplista . Kennedy era um predador sexual exímio. No seu currículo figuram entre outras, Jacqueline, a mulher. Elegantíssima, fina, de porte aristocrático, ficava bem sentada à mesa de qualquer casa de jantar. Já Marilyn, uma das muitas namoradas, autora entre outras, da mais sensual versão do hapy birthday to you, hapy birthday Mr. President, ficava ainda melhor noutra divisão da casa.
Mas Kennedy foi também famoso pelos seus discursos, dos quais foram extraídas frases emblemáticas, que ficaram na história do léxico político. Desde o “Ich Bin ein Berliner”, junto ao muro, defronte dos tanques soviéticos, estacionados na parte oriental da cidade, ao famoso, “Seria útil perguntar, não o que a América pode fazer pelos Americanos, mas o que os Americanos, podem fazer pela América”. Esta última, tanto quanto julgo saber no discurso da tomada de posse.
Na altura ninguém falava de aquecimento global.
Entre o Natal e ano Novo, por insistência dos meus filhos pequenos, fomos para a neve e escolhemos ficar num pequeno hotel familiar na Serra Nevada. Pela primeira vez levei com o aquecimento global nas ventas. Neve natural nem vê-la, tudo artificial. Mas, ter filhos pequenos é como ter cães. Os donos acabam inevitavelmente por se conhecer e desta vez tenho que agradecer vivamente á minha filha Marta, que é quem habitualmente inicia o contacto.
Foi assim que eu e a minha mulher conhecemos o Michel Soskine e o Telmo Rodriguez, com as simpáticas respectivas. O primeiro, francês, galerista estabelecido há muitos anos em Nova Iorque e mais recentemente em Madrid, onde reside. O segundo, basco, como os filhos pequenos fizeram questão em insistir, surfista assumido e talvez um dos dois enólogos, presentemente mais na berra em Espanha, autor entre outros do Pago La Jara, da região do Toro e do portentoso Molino Real, um vinho doce produzido perto de Málaga. A conversa longa, nem por encomenda, revelou amizades comuns e versou os dois temas que constituem as minhas assumidas paixões, arte contemporânea e boa mesa.
Michel chamou-me á atenção para uma artista plástica portuguesa, residente em Paris de nome Mónica Machado. Telmo contou-me, que o Ferran Adriá e o Juan Mari Arzak, aproveitando o semestre sabático, que o primeiro impõem a si próprio todos os anos, decidiram partir incógnitos por essa Espanha fora á procura dos produtos de excelência. Que história notável! Aqui estão dois monstros sagrados, que já nada têm a provar e que poderiam ter ficado comodamente instalados nos respectivos locais de trabalho, á semelhança das cortes medievais, esperando pacientemente que os artesões lhes suplicassem para provarem os seus melhores produtos. Citando Kennedy apetece dizer: “seria útil perguntar não o que a gastronomia pode fazer por nós, mas o que é que nós podemos fazer pela gastronomia”, particularmente em Portugal.