sexta-feira, 23 de março de 2007

Escrevem-nos: António Vasco Salgado.

A ida á Praça

Hipnos, o seu filho Morfeu e a minha ida á Praça.
Tal com há pessoas que têm uma má relação com a comida, eu tenho uma péssima relação com o sono, para mim não passa de uma mera necessidade fisiológica, que para minha frustração, sistemática e invariavelmente me vence. Não me dá gozo e parece-me de um confrangedor desperdício despender o meu tempo, que é precioso, para ali esticado horas a fio. Esta má relação tem uma vantagem. Ao sábado, enquanto a família dorme, eu sorrateiramente, escapo-me de casa e lá vou eu não á praça, mas ás praças.
Geralmente começo por visitar a de Alvalade, para mim de longe a melhor de Lisboa. Julgo que a razão se prende com o facto de servir uma zona habitacional relativamente extensa da cidade e cuja população tem um razoável poder de compra.
Entre as sete e habitualmente as 8 e meia, a de Alvalade está linda transbordando em produtos, o que lhe confere um aspecto de verdadeira luxúria. A esta hora só há entendidos na matéria, os restantes chegam mais tarde. A minha paragem seguinte é a de Campo de Ourique só para comprar pão.
A história das praças perde-se no tempo, mas é sobretudo a partir do século XIX, que adquirem o formato actual.
Eu já não conheci a dos Les Hales em Paris, mas lembro-me do meu irmão mais velho contar da peregrinação que todos os boémios, faziam por volta das 6 ou 7 da manhã, depois de uma noite bem passada, para se reconfortarem com uma supostamente famosa soupe à l’oignon. A de Barcelona, la Boqueria vale absolutamente uma visita. De tal forma, que o conhecido Chefe Catalão, Santi Santamaria, a inclui nos cursos de 3 a 5 dias que organiza, no seu restaurante Can Fabes.
Para mim a que mais me impressionou foi a de Valência. Situada na parte velha da cidade, está localizada num edifício interessante, do ponto de vista arquitectónico, mas o que é verdadeiramente arrebatador é a quantidade e a variedade dos produtos hortícolas. Há razões que explicam isto. A zona de Valência é constituída por solos ricos e possuidora de um recurso essencial para o cultivo de legumes, em geral, a água. É de facto impressionante chegar a esta cidade de avião. São áreas de cultivo extensíssimas, muitas delas dedicadas ao cultivo do legume, que para mim melhor traduz a definição de sofisticação, a alcachofra.
Há praças verdadeiramente extraordinárias, noutras paragens, nomeadamente extremo oriente, mas essas ficam para outra altura.
Um dos projectos de vida. Acompanhar o meu amigo Lucio, orgulhoso originário do Abruzzo, em Itália, grande garfo, curioso obsessivo e acérrimo defensor dos produtos alimentícios autóctones, numa viagem, em pequeno veleiro, parando em todos os portos do Mediterrâneo, servidos por uma praça interessante. Uhau!
Algumas dicas:
Na Praça de Alvalade
Peixaria – a do Horácio. Ao fundo do lado, direito, para quem entra pela entrada principal.
Talho – o do Alcides
Legumes – a banca de uns senhores indianos, a meio do lado esquerdo.
Na Praça de Campo de Ourique
Padaria – o pão de centeio, o de mistura e a broa de milho, particularmente esta última é muito boa.
Boqueria em Barcelona
Coma tudo com os olhos e visite a livraria de culinária da Buffet y Ambigú
Restaurantes a cerca de 30 a 45 minutos de Barcelona. Can Fabes de Santi Santamaria, em Sant Celoni. Nos meses de Inverno o peça o menu de trufas. San Pol de Carme Ruscaleda em San Pol de Mar.Escolha qualquer prato com alcachofras. Ambos 3 estrelas michelin, ambos verdadeiramente extraordinários.
Praça de Valência
No último dia de visita, compre se houver cogumelos, ou melhor ainda trufa preta.
Restaurante em Valência – Ca Sento, do jovem e talentoso Raul Alexandre. Um dos segredos mais bem guardados em todo o mundo. Fantástico.