Critica Gastronómica
Nós, médicos, já estamos habituados há vários anos, nos Congressos internacionais, antes de cada apresentação, o orador ser obrigado a fazer a sua “disclosure”. Ou seja, tem de enumerar eventuais honorários, que tenha recebido na sua relação com a indústria farmacêutica ou grandes agências oficiais de apoio á investigação científica, admitindo publicamente eventuais conflitos de interesse.
Também eu tenho de fazer o meu “disclosure”. Sou sócio, embora apenas com uma participação simbólica, num restaurante em Lisboa, que por pudor não nomeio nem criticarei. Se disser mal estou a indispor um grande amigo e isso não se faz aos amigos, se disser bem, perco credibilidade, isto partindo do princípio que aquilo que aqui disser tem alguma relevância.
Vamos então ao que interessa, tendo consciência que me estou a meter por caminhos difíceis, já que nisto da crítica, gosto das opiniões radicais, tipo sim ou sopas, ou não há aqui lugar para meias tigelas.
Ponto número um, conheço em Portugal inteiro algum restaurante verdadeiramente de cair para o lado? Não. A não ser junto à fronteira e nesse caso só conheço um, o Átrio em Cáceres.
Ponto número dois, há restaurantes esforçados, que apesar de tudo merecem uma visita. Vários indiscutivelmente e no fim citarei um. Eu sobretudo gosto daqueles que têm mais preocupação com a escolha do produto e o ponto de cozedura, do que outros cheios de pretensões e novos riquismos culinários, geralmente destituídos de qualquer interesse.
Ponto número três, embora exista em alguns casos a preocupação de não atulhar o prato, a maioria continua a servir quantidades verdadeiramente alarves, desrespeitando uma regra básica da restauração – não mate o cliente com comida, o mais provável é que ele não volte.
Ponto número quatro de quem é a culpa? De todos. Donos, chefes e sobretudo clientela, que em última instância deveria ser o motor da mudança, sendo bem mais exigente. Afinal de contas é quem paga a conta. Embora não estando totalmente de acordo, dizia-me recentemente um amigo que a cidade do mundo onde melhor se comia era Nova Iorque, cidade onde se assiste a uma verdadeira ditadura popular, sem contemplações, já que os maus restaurantes são sumariamente exterminados.
Ponto número cinco, qual o papel dos críticos gastronómicos neste processo. Diria praticamente nulo. Considero a profissão de crítico gastronómico em Portugal a mais enfadonha que conheço. Coloco-lhe o seguinte desafio, anote durante uma temporada, quantas vezes são citados na carta dos restaurantes visitados pelo crítico do Expresso, qualquer variação do bacalhau no forno com batatas a murro ou o cabrito assado. E o mais espantoso é que isto se verifica de norte a sul do país. Como é que alguém acometido de semelhante náusea consegue manter discernimento? Diria, praticamente Impossível.
Ponto número seis. Uma vez ouvi de uma conhecida agente cultural, comentar a propósito de uma critica de arte/ artista plástica, o seguinte – é boa critica mas pinta mal como a merda. É forte e feio não é? Foi assim que me surgiu a ideia de utilizar, só para uso pessoal, a seguinte classificação: 1) Muito bom 2) Bom 3) Esforçado, 4) Sofrível e finalmente 5) Comi mal como a merda, que apesar de tudo é menos demolidor do que o come-se mal como a merda. Como se diz em estatística esta classificação tem pouco poder discriminativo. Em tempos consultei um blog de vinhos, cuja grelha classificativa, muito mais abrangente, atribui como máxima, a sui generis pontuação de múltiplos orgasmos.
Finalmente a minha proposta. Vá à Casa do Largo em Cascais, mesmo em frente à Igreja. Embora a lista seja curta, comi muito bem. A escolha dos vinhos claramente denuncia a formação do chefe/proprietário, regente agrícola e enólogo. Está de parabéns o Raul. Vale absolutamente a visita.